o espaço da poesia


Foto: Daniel Bilac - 2006

A Parada: Você lançou seu primeiro livro, Lágrimas e Orgasmos, em 86. De lá para cá, o que mudou na poesia e no mercado editorial?

W.S.: Sobre mercado, eu penso que os poetas, hoje, estão muito atentos, mais do que atentos, estão praticando essa experiência de levar a sua poesia com as suas apresentações, com as suas performances, os seus recitais, ou seja, o poeta, hoje, é o sujeito da sua poesia. A exemplo de vários projetos que têm acontecido pelo país, em que os poetas levam seus poemas nas performances, eu sinto que esse público, ou seja, esses leitores chegam também a partir do momento em que os poetas produzem os seus espetáculos, em que eles realizam oficinas, os seus vídeo-poemas, ou seja, o audiovisual, o CD de poesia falada, esses vários outros suportes. A internet é um suporte que tem se fortalecido cada vez mais, mas, nesse sentido, tem exigido também muita delicadeza dos poetas para usar esse suporte com inteligência. Eu acho que todas essas outras experiências (as experiências do corpo e da voz) são experiências que fortalecem e chamam para o livro. [...] Eu penso que o livro tem sim o seu espaço. Agora, nós precisamos inclusive repensar o espaço do livro na sociedade atual e acho que essa questão está sendo repensada a partir dessas atitudes que os poetas vêm realizando pelo Brasil afora. Agora, é claro, é uma coisa muito delicada e muito sutil, que exige uma delicadeza muito grande dos poetas no sentido de chegar inclusive à mídia, à grande mídia. As grandes editoras, naturalmente, não têm publicado poesia. São poucos poetas que têm livros de poemas publicados pelas grandes editoras [...], mas não se trata apenas disso. Eu acho que se trata também de uma atividade permanente que o poeta tem que realizar com a sua poesia, com o seu livro, levando o seu trabalho para as escolas, para centros culturais, para a comunidade, para as pessoas, usando todos os suportes possíveis. O Waly Salomão dizia “a poesia é a arte do impossível”. Vamos usar os suportes impossíveis; ou seja, é uma atitude. Temos que falar e pensar na poesia permanentemente.

A Parada: Você comentou que o poeta, hoje, precisa fazer o espetáculo da sua poesia, uma apresentação além do livro. Um projeto que propõe essa apresentação para o público é o Terças Poéticas, do qual você é curador. Como surgiu a idéia do projeto?

W.S.: Bem, eu fui convidado pela Camila Diniz, que é editora do Suplemento Literário, para ser o curador do projeto. Claro, aceitei de imediato o convite. Aceitei apaixonadamente, inclusive, porque sempre trabalhei com poesia, criando performances ou mesmo como produtor, buscando realizar outros projetos [...]. O conceito do projeto surgiu dessa intenção de trazer um espaço híbrido, aberto, o mais democrático possível, numa casa referência, não só para Belo Horizonte, mas nacionalmente falando, que é o Palácio das Artes. O conceito é trazer o poeta, e que ele tenha ali um espaço, um tempo de trinta, quarenta minutos para apresentar seus poemas, ou em performances, ou em leitura, ou em audiovisual ou em CD, ou seja, conforme as suas condições e, na seqüência, homenagear um poeta falecido. [...] E agora em julho estamos completando um ano. É um projeto de periodicidade semanal e desde julho de 2005 foi, a cada terça-feira, se fortalecendo cada vez mais, quer seja pelos convidados, pelas apresentações, que foram e estão sendo realizadas ali ou pelo público, que foi crescendo cada vez mais. [...] Eu chamo de projeto de leitura, vivência e memória de poesia.

A Parada: Que tipo de impacto, ou seja, que tipo de influências você acredita que as Terças Poéticas tiveram em Belo Horizonte?

W.S.: Nunca aconteceu, não em Belo Horizonte, talvez nem no Brasil, um projeto de continuidade e de permanência e semanal como as Terças Poéticas que conseguiu contemplar essa diversidade, essas diferenças de vozes. Existiram, sim, outros projetos. Claro, muitos outros: quer seja em faculdades, em escolas, ou outros projetos promovidos pelo poder público municipal, estadual, ou mesmo projetos de produções isoladas, individuais, coletivas, mas o fato é que eu acho que as TP, por tudo, acabaram se tornando esse projeto possível, um acontecimento possível. Quando eu retorno aos jardins, que eu chamo até de “Jardins das Delícias do Palácio das Artes”, a sensação que eu tenho é que tem ali uma sinergia, algo além daquela realidade. [...] O TP é um projeto de passagem dos poetas, ou seja, é um projeto em que colocamos ali o poeta de frente para o seu espelho. Qual é o seu espelho? É o leitor; esse leitor ao vivo.

A Parada: Para que tipo de público você considera que as Terças Poéticas são direcionadas?

W.S.: O projeto TP é direcionado às pessoas que amam a poesia. [...] É um projeto que o público se constitui muito de estudantes, de poetas, artistas de um modo geral, jornalistas e o público comum. Eu já percebi ali, eu tive esses depoimentos de pessoas que vêm de cidades próximas a Belo Horizonte; de Santa Luzia, de Lagoa Santa, de Nova Lima ou de bairros da periferia de Belo Horizonte, que sabem e comparecem ao projeto. Ou seja, essa ocupação do centro de uma capital é uma coisa muito importante. Eu acho que é um projeto que se presta inclusive a isso, a essa re-habitação do espaço urbano; o espaço público urbano que, por natureza deveria pertencer a todos. [...] O projeto se presta a repensar o espaço urbano, o meio urbano.

A Parada: Como é ser poeta - e estar na posição de experimentação constante - e editor e curador - tendo que eleger o que mostrar ao público?

W.S.: Pois é, é uma coisa muito delicada, porque eu acho que o poeta se estende no curador, esse mesmo poeta se estende como editor, e se estende mesmo ou é o performer. [...] No caso das TP, eu deixei-me nortear pelo seguinte: é claro que tem alguns crivos pessoais que, naturalmente, independente de quem seja curador, você jamais consideraria e nem desejaria se isentar deles. Mas, de qualquer forma, é um projeto em que o curador tem que estar antenado ao que está acontecendo: aos criadores, aos poetas que estão aí realizando e produzindo seus trabalhos. O TP é um projeto de passagem, ou seja, é um projeto híbrido, aberto nesse sentido, é ousado; a ousadia, a rebeldia e a inovação do projeto e a minha atitude enquanto curador se vale exatamente dessa experiência aberta, no sentido de ser uma passagem para as diferentes linguagens que existem na atualidade.[...] Vocês, que já participaram enquanto espectadores de várias edições, puderam ver, ao vivo, diferentes experiências de linguagem com a performance. Quando o Aroldo Pereira, por exemplo, que veio de Montes Claros participar do projeto, (naquele dia ele estava homenageando o poeta Sebastião Nunes, que esteve lá com seus poemas, ou seja, diferente daquele conceito de homenagear um falecido) fez uma apresentação que durou quase duas horas e o público atento, ouvindo, ou seja, eu acho que a poesia é muito isso.

A Parada: Como é realizada a divulgação do projeto e como é possível obter a programação?

W.S.: O projeto é uma parceria entre o Suplemento Literário e a Fundação da Clóvis Salgado; o setor de comunicação do Palácio das Artes faz toda a divulgação o projeto. Tem aquela publicação impressa, o “Não Perca”, que traz a programação mensal de todos os eventos que acontecem no Palácio, inclusive as TP, como no site do Palácio das Artes também. A Rede Minas e a Rádio Inconfidência são apoiadoras do projeto e sempre divulgam as TP. E uma outra divulgação que acontece de uma forma natural é a que se vale também da voz que desdobra na outra, desse corpo a corpo, das pessoas que vão ali, e gostam, e falam com amigos, e a maioria retorna. Então a mídia, de modo geral, de Belo Horizonte e Minas Gerais, reagiu de uma forma positiva ao projeto, divulgando, fazendo matérias, enfim, estimulando a poesia a partir das divulgações. O Brasil todo sabe do projeto e tenho recebido livros e contatos de poetas de diferentes partes do país, querendo participar das TP, assim como de poetas de Belo Horizonte.

A Parada: O projeto está fazendo um ano. Qual o balanço que você faz desse ano que passou e o que você espera a partir de agora?

W.S.: Foi surpreendente a receptividade e o reconhecimento que o projeto teve, não somente em Belo Horizonte, não somente em Minas Gerais, mas em vários outros estados brasileiros. Todas as edições do projeto são fotografadas e filmadas. Será publicado um catálogo pela Fundação Clóvis Salgado e Suplemento Literário, onde teremos espaço para todos os convidados apresentados até agora desde o primeiro do ano passado (quem abriu o projeto foi o poeta Milton César Pontes) até os atuais e os outros que ainda se apresentarão, porque este catálogo será lançado na última TP do ano de 2006. [...] Nós faremos, então, essa impressão. Então, acho que é um mérito, assim, fabuloso, ele serve como elemento de reflexão pra pensar que a poesia tem espaço e compete a nós buscarmos esse espaço.

A Parada: Para finalizar, você já comentou que sonha que algum dia a poesia vai ser considerada um ramo à parte da literatura. Explique.

W.S.: Isso é delicado de mais... ao dizer isso, estava pensando unicamente na poesia que eu venho desenvolvendo e também nas poéticas de alguns outros contemporâneos. Porque a poesia... eu não penso que a poesia seja um gênero literário. Eu acho até que a literatura presta um desserviço à poesia. Acho que a poesia, embora se utilize das palavras, não quer ser letra, não é letra. É a falta da letra. Ela é a falta. Acho que as transformações, as mudanças, ou o poema em si, não é?, a metáfora, as imagens, a música, o barulho que seja, que há no poema pertencem a uma outra verdade. [...] As atitudes físicas e psíquicas dos poetas de um modo geral são radicalmente opostas ao comportamento dos literatos, e estou dizendo isso enquanto sujeitos. E naturalmente aquilo que se cria, que é chamado poesia, não pertence à literatura.