nicolas behr pro que der e vier

Foto: Juan Pratginestós - 1977

Muitos poetas da sua geração também fizeram e venderam seus livros de forma independente, tanto é que vocês são chamados de geração mimeógrafo. Mas o que nós queremos saber é: vocês se reconheciam como parte de um mesmo movimento, de uma mesma corrente, ou as iniciativas, além de independentes, eram também isoladas?


Tudo bem, um movimento, mas sem líder. Tudo bem, um movimento, mas sem manifesto. Tudo bem, um movimento, mas sem dogmas e regras. Tudo bem, um movimento, mas movido pelo vento. Tinha de tudo. Sim, sabíamos que fazíamos parte de um movimento poético (meados dos anos 70, início dos 80), mas as fronteiras eram assim bem tênues, nada demarcado, entende? Tudo muito solto, naquele vale-tudo que tanto engrandeceu a poesia brasileira no século passado.

Que diferenças e semelhanças você identifica entre a Poesia Jovem dos Anos 70 (título da antologia de que você fez parte, organizada por Heloísa Buarque) e a produção poética contemporânea?

Produção poética contemporânea? Não existe. Ainda. Como que por encanto tudo se atomizou, tudo se pulverizou, tudo explodiu. E isso é bom. Ninguém sabe o que está acontecendo, talvez daqui a 30 anos saberemos. Agora eu digo uma coisa: hoje, maio de 2008, a poesia passa pela internet e não fica. Passa. O blog de hoje é o mimeógrafo dos anos 70.

Na orelha de Primeira Pessoa, você diz que seus livros agora são impressos em off-set e que sua poesia começava a merecer tratamento melhor. O mimeógrafo maltratava sua poesia?

Olha, a poesia já sofreu muito na minha mão. Olha, e logo a poesia que salvou a minha vida na adolescência. Pode parecer dramático e é. Se estou aqui hoje, respondendo estas perguntas, é porque aos 16-18 anos comecei a escrever poesia, do meu jeito. Muitos diziam que aquilo não era poesia, que os meus livros não eram livros, que não tinham lombada. Precisei abrir o caminho na base da porrada, pra ter o direito de fazer a poesia que eu queria fazer. Sem pedir autorização, sem pedir prefácio a ninguém.

Em muitos de seus livros, você coloca algum elemento associado à sua identidade, como uma fotografia sua, sua digital ou mesmo seu umbigo (!). Fale mais sobre isso.

Sim, talvez uma das características da nossa geração, que começou a escrever nos anos 70, mimeografou seus livros, vendeu de mão-em-mão. É essa relação orgânica com o objeto livro. Uma relação forte mesmo. E sempre com uma tentativa de individualizar o livro, dar a ele uma cara. Ok, livro de autor.

O Iogurte com Farinha (seu primeiro best-seller) teve 8.000 exemplares vendidos de mão-em-mão numa época em que quase tudo era considerado “material pornográfico” pelas autoridades. Além do risco que você correu, fazer artesanalmente cada livro deve ter demandado muito tempo e trabalho. Naquela época, quais eram as suas motivações pra continuar? E hoje?

Ah, essa é fácil de responder: a poesia me dava valor. A poesia me dá valor. A poesia sempre me aproximou das pessoas, e eu sou um poeta que gosta de gente! Gosto de ser lido, gosto de ser entendido. Gosto do contato: paubrasilia@paubrasilia.com.br. A poesia é a minha forma de compartilhar minha vida com as pessoas. E gosto. E não vou parar mais. Vou sempre publicar, mesmo achando que já estou plagiando a mim mesmo. Minha poesia sempre foi remoção de entulho literário, para chegar ao poema-diamante, ao poema inexistente.

Em 1978, você foi preso e processado pelo DOPS, tendo sido absolvido no ano seguinte. O que te levou a publicar o processo no seu livro Restos Vitais?

No livro Restos Vitais, uma reunião dos meus 5 primeiros livrinhos, publicados entre 1978 e 1979, resolvi colocar uma parte do processo que o DOPS me moveu por “posse de material pornográfico”. O documento que ali está mostra o ridículo da censura, o ridículo da ditadura, e mostra também como a poesia pode ser algo perigoso, mesmo feita em mimeógrafo por um garoto que acabara de completar 20 anos de idade.

Depois de lançar 10 livros mimeografados, você deixou de publicar em 1980 pra só voltar em 1993 com Porque Construí Braxília, não é isso? O que aconteceu em 80 que fez você parar e o que aconteceu em 93 que fez você voltar?

Em Brasília, entre 77 e 80, ninguém se expôs mais que eu, fisicamente até. Resolvi submergir e parti pra outras: fui ser ecologista militante, de carteirinha. Fundei ong’s, trabalhei em fundações do meio ambiente, estudei a fauna brasileira e comecei a produzir mudas de espécies nativas. E aí, aos poucos, voltei a publicar, a partir de 93, aos poucos retomando os caminhos, publicando livros pequenos em xerox e reunindo outros antigos em antologias. E gostei de voltar e estou aí pro que der e vier.

Conte-nos um pouco sobre seu novo livro, Laranja Seleta.

Laranja Seleta me deu muitas alegrias. Porque o meu editor na Língua Geral, Eduardo Coelho, um cara que conhece poesia, foi muito sensível ao acatar minhas sugestões ao fazer o livro. Isso foi muito bom, caiu do céu. O livro é uma reunião do melhor (o que seria melhor, meu deus?!) da minha produção poética de 1977 a 2007. Estou muito feliz com o livro e recomendo-o. Se não o encontrarem nas livrarias, peçam pelo site: www.linguageral.com.br.

Para encerrarmos, duas dúvidas: Nicolas, dinheiro nasce em poesia? E em árvores?

Dinheiro é um dos meus fios-terra. Todo poeta precisa de um fio-terra. Meus filhos também são meu fio-terra. Mas não sei por que cai(cai? Ou caí?) no comercio(acento). Pra criar mini-couraças? Tenho uma floricultura em Brasília,(falta um espaço dps da vírgula)compro e vendo vasos, adubos e plantas. E assim tenho contato com uma gama enorme de pessoas, de todos os níveis sociais. E isso é muito enriquecedor pro poeta, sair do seu mundinho, do seu gueto e cair no mundo!

Valeu, gente. Abração, Nicolas Behr.