alécio cunha fala sobre anu e crítica literária


Fragmento do poema-livro Anu, de Wilmar Silva.

De acordo com suas impressões, como foi a recepção de Anu pela crítica, em 2001?


Pelo que pude acompanhar, à época, o livro de Wilmar teve uma repercussão maior nos sítios da Internet do que na mídia impressa. Foi uma maldade, porque trata-se de uma obra muito importante no processo evolutivo deste poeta. É sua obra mais experimental até aquele exato instante. E, a partir dela, ele teve que, simplesmente, se reinventar.


Que motivos você atribui à forma como ele foi recebido?

Creio que houve dificuldade em compreender a proposta do poeta. Foi mais isto, apesar de que sempre há uma dose de má vontade e desinteresse quando o assunto é a poesia.


Hoje, como você acredita que o Anu é recebido, em comparação com o primeiro momento?

Não sei se chegou a ocorrer alguma reavaliação, mas tenho a impressão de que o Wilmar é mais valorizado hoje do que há alguns anos. Se o que escrevi ajudou esta avaliação em algum momento, fico feliz, mas o mérito, ressalto, é do poeta, sua obra e, claro, a perseverança.


É bem comum encontrar comentários que dizem respeito da dificuldade de ler Anu. Diante disso, muitos afirmam que é preciso decifrar o poema para que ele seja apreendido. Qual a sua opinião sobre isso?

Existem vários níveis de leitura, mas não creio que o "Anu" seja assim tão difícil. É uma lúdica e deliciosa brincadeira com a linguagem, desconstruindo e reconstruindo as palavras.


A sua resenha de 2001 sobre Anu, publicada no caderno de cultura do Jornal Hoje em Dia, traz trechos de uma entrevista com o autor, Wilmar Silva. Qual a importância de inserir a fala do poeta na crítica?

Quando o poeta tem algo a dizer, além do próprio poema, sua fala pode ser acessória, suplementar. Mas nunca substitui a lavra literária original.


Em relação à resenha de 2001, o que você gostaria de acrescentar, ou mesmo de modificar, sete anos depois?

Todos nós mudamos. O poeta mudou, o crítico também. O texto, de alguma maneira, pode ter mudado também. Veja só, isto não é um delírio. Todo texto tem a cara que nós damos a ele. Toda vez que se lê o "Anu" a gente percebe o trabalho precioso em torno da linguagem, desenvolvido pelo Wilmar. Dá gosto contemplar esta procura incessante.


Qual a contribuição da crítica, de um modo geral, para a poesia? E para os poetas? Além disso, que repercussões você observa após a publicação de uma resenha?

A importância maior é a do diálogo. O fato de ser poeta auxilia muito nesta interlocução. No meu caso, soa como uma experiência natural. Algumas resenhas minhas têm fragmentos que podem ser lidos, de forma isolada, como um poema. Um poema em cima do poema alheio, da reverberação do outro, simultaneamente espelho e espanto. A repercussão também ocorre de modo natural, sem nenhum tipo de forçação de barra. Para mim, é sempre estimulante escrever sobre poesia. É uma atitude que me retroalimenta.


Como colunista do caderno de cultura do Hoje em Dia, você aborda assuntos diversos, como música, cinema e poesia. Dentro do tema bastante amplo que é a cultura, qual a posição que a poesia ocupa nas mídias voltadas para essa temática e qual a que você gostaria que ocupasse? A poesia é mesmo a “prima pobre”, como afirmam alguns escritores e críticos?

Infelizmente, o clichê da prima pobre é real. O motivo maior para o desinteresse é a falta de vontade de aprofundamento em torno do extrato poético. Perceber a poesia é bem mais complexo do que se pensa. Gostaria que a poesia e a literatura em geral tivesse maior espaço. No entanto, o que vejo é a preponderância cada vez maior do entretenimento sobre a reflexão. Isto é empobrecedor e, ao que tudo indica, sem data para acabar...


Anu foi publicado em livro pela editora mineira Orobó. Se tivesse sido publicado por uma editora de maior capacidade de distribuição (a nível nacional, por exemplo), você acredita que a recepção pela crítica seria outra? Na sua opinião, a editora que publica o livro contribui para o reconhecimento do texto ou o alcance do poema depende apenas dele mesmo?

Se a editora tiver o porte de uma Companhia das Letras e seu poder em relação à grande imprensa sim. Há uma rede de relacionamentos nem sempre escusos que faz com que certas editoras e autores consigam mais espaço. No mais, os problemas das editoras menores são crônicos, sobretudo no que tange à distribuição. Acredito que os blogs e sites literários são, hoje, uma alternativa aos esquemas editoriais tradicionais.


Anu apresenta elementos regionais e interioranos, como o próprio pássaro que dá título ao livro, por exemplo. No entanto, talvez não possa ser encarado como um texto estritamente regionalista. Na sua opinião, como a linguagem e a temática se relacionam nesse caso?

'Anu' é, umbilicalmente, regional e universal. Ao falar da paisagem pobre, de si mesmo e da capacidade de tudo isso se metamorfosear na beleza e riqueza da linguagem, muitas fronteiras são abolidas.


Bem diferente do senso comum que cerca a poesia, Anu é, como o próprio Wilmar Silva diz, um não-poema. Apresenta uma linguagem bastante própria e uma proposta visual particularizada, o que acontece também em outras produções contemporâneas. Para você, como esses trabalhos convivem com outras obras da poesia, no seu sentido mais tradicional?

O experimental não elimina o tradicional. São dialógicos mesmo quando são antagônicos ou suplementares.