Conte o que é e como foi o surgimento do Barkaça.

Eu e os dois outros quixotescos editores – ou editores quixotescos - Lopes e Mingau (sendo que nessa analogia o Lopes, pela vasta experiência e persistência com a poesia/artes divinopolitanas, seria o fidalgo, eu o mulo e o mingau o sancho ou o mingau o mulo e eu o sancho, tanto faz), nós três participamos, com outros amigos, de um projeto literário do Lopes, aprovado pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Divinópolis. Nesse projeto, entre o espaço ocioso dos nossos encontros e com o acúmulo de material nosso e de amigos com pouca ou nenhuma divulgação, resolvemos criar uma revista/fanzine/jornal, que resultou nos folhetos BARKAÇA de poesias e artes visuais. O Barkaça é uma publicação impressa, quase bimestral, que se desdobra em banners e que navega por exposições itinerantes em diversas cidades de Minas Gerais. Quem quiser conhecer ou participar pode visitar o porto virtual http://barkaca.blogspot.com, onde terá maiores informações, roteiros, novas atracações, resenhas, artigos e fotos.

Como a publicação tem se mantido?

Para os primeiros números tínhamos patrocínio de empresas do comércio em geral, mas conseguir grana pra esse tipo de publicação é lutar contra moinhos de vento. Hoje tentamos unir o útil ao agradável e organizamos festas onde a temática não é apenas o entretenimento vazio e grana. Fizemos exposições de artistas independentes, mostras e apresentações autorais, tudo numa noite, com entrada muito barata e cerveja gelada. O número anterior e o que está por vir serão bancados pela renda da festa.

Como tem sido a resposta dentro e fora de Divinópolis? Que retorno vocês vêm tendo?

O mais legal dos folhetos BARKAÇA são os banners. Pra quem não conhece, são a reprodução em acrílico dos folhetos em formato maior e circulam espaços públicos e privados em exposições itinerantes que acontecem durante todo o ano em DV e outras cidades do estado. Os banners já atracaram em Ouro Preto, Itapecerica, Mariana, São João Del Rey e Belo Horizonte. É o suporte que abrange um público maior e que cumpre com mais eficiência a proposta de levar a poesia pra rua, para pessoas não tão familiarizadas com esse tipo de leitura. No geral, esses leitores brincam, se interagem e pedem um exemplar impresso, sendo que muitos começam a acompanhar e cobrar a tragetória dos folhetos, o que é gratificante. Confesso que eu não esperava, lá no início da publicação, o sucesso que o Barkaça tem obtido. Seja com poetas, professores, estudantes universitários ou junto à população em geral - que tem pouco ou nenhum contato com poesia - os folhetos são um sucesso. Tem ainda o retorno pessoal que é o nosso amadurecimento a cada número, conhecendo pessoas e aprendendo a lidar de forma mais serena com a publicação/editoração de poesia.

Em julho de 2008, vocês lançaram o Superbarkaça, que se apropriava do projeto gráfico de um tablóide mineiro. Como surgiu essa idéia, quais as repercussões e que análise você faz sobre isso?

A idéia dessa edição foi do Mingau. A culpa é dele (hehehe, brincadeira). Depois da idéia lançada, percebemos que se poderia subverter, de alguma forma, esses jornais sensacionalistas de vinte e cinco centavos, existentes em quase todo o país, mas sempre com o mesmo tipo de (des)conteúdo. Acabamos seguindo aquele tipo de diagramação, porém com poesia dentro; isso foi na 4ª edição. Por sorte, ou talvez porque poucos tenham percebido a nossa intenção, não fomos processados por nenhum jornal sensacionalista de vinte e cinco centavos. Dois poemas publicados naquela edição, o “Poema escandaloso” de minha autoria e o “Pé de maconha” do Mingau, acabaram sendo motivo de sensura e o BARKAÇA foi convidado a recolher velas e se retirar de um hospital de DV. O mais interessante do ocorrido é que, provavelmente, estes jornais circulem livremente pelo hospital e pela cabeça das pessoas que ordenaram a retirada dos banners.

Que relações você vê entre o Barkaça e outras publicações de poesia surgidas em Divinópolis (como o jornal/movimento Agora e as iniciativas do grupo Dazibao)?


Fico super feliz pelo movimento Agora ter surgido em DV. É esperançoso saber que outros navegadores se aventuraram nas águas inóspitas da pasmaceira cultural. E se estamos hoje seguindo os rastros heróicos daqueles bravos argonautas é porque venceram. O que o pessoal fez foi criar uma das maiores cenas literárias do país naquela época e que continua rendendo frutos quarenta anos depois. Acredito que estamos no caminho certo, publicando principalmente gente nova e, de certa forma, aprendendo muito e dando continuidade à aventura iniciada no final da década de 60, pelo pessoal do Agora. Com certeza fomos influenciados pelo que fizeram e o que temos em comum é isto: somos românticos o bastante para encarar a edição/publicação de poesia, não em busca de baús cheios de ouro, mas porque gostamos e acreditamos que publicações dessa estirpe são importantes por dar continuidade e vazão à criatividade presa nas garrancheiras acomodatícias da sociedade.
Numa cidade do grande-pequeno porte de DV, onde temos que correr à frente pra ver alguma coisa acontecer, é difícil dissociar pessoas e movimentos, principalmente depois da gênese Agora. O Dazibao pode ter sido uma das sementes plantadas, que germinou no ano de 1980 e que é hoje árvore grande, crescida à beira do rio do mundo mas fazendo sombra e esparramando frutos e flores, ou flores e frutos, lá em DV. Existe no Dazibao uma persistência muito grande com DV e é graças aos esforços desse pessoal que o BARKAÇA e boa parte dos meus poemas existem. Seria impossível não tê-los como referência, até porque o Lopes fez parte do grupo Dazibao e é admirável como ele luta de coração aberto e punho fechado contra a “pasmaceira cultural”. O Lopes é hoje a pessoa que mais dá sangue e suor pelas artes divinopolitanas, literalmente.

Sabemos que você também esteve e está envolvido em outros projetos além do Barkaça. Fale um pouco a respeito.

Existe em Divinópolis, o Coletivo Pulso, um agrupamento social informal, que realiza eventos para bandas/grupos musicais e pessoas com projetos autorais que não têm espaço junto às mídias e circuitos artísticos tradicionais. O Pulso é mais focado em apresentações de bandas, pois é composto principalmente por pessoas que tocam algum tipo de instrumento. Acontecem também mostras de filmes com debates, oficinas e palestras. O Pulso, com apenas três anos de existência, conseguiu levar a DV bandas, debates, palestras de quase todos os estados do Brasil e de países como Filnândia, Croácia, Colômbia, Argentina, Chile, Bélgica, entre outros. Conseguindo colocar a cidade na rota internacional de turnês de punk rock. Além de ajudar nas atividades do Pulso, estou começando a desenvolver um projeto novo, mas que existe na minha cabeça há mais tempo, o “Adão e Eva no Paraíso de Pedra” onde tento, com a ajuda de amigos, misturar texturas sonoras e poesia.

Além dos projetos coletivos, há também os livrinhos/dobraduras que você mesmo produz à maneira da geração mimeógrafo, só que através de fotocópia. Além das semelhanças materiais e de produção, há outros laços com a poesia marginal dos 70? E hoje?, a sua poesia está à margem de quê?

Meus primeiros contatos com publicações alternativas podem ter sido desde a “pixação” descompromissada quando criança até a leitura dos primeiros fanzines, já no final da adolescência. Além da influência ideológica/estética, penso que a questão da produção independente pode ser também consequência do acúmulo e diversidade de material que ficaria atravancado caso não houvesse uma vazão e distribuição - mesmo que apenas entre amigos - do que eu ia produzindo. Cheguei a escrever/fazer poesia cursiva, prosa, sonetos, trovas hexasilábicas, poesia visual, video poema, poemas “sonoros” e “atentados poéticos” que, fora este último, são distribuidos principalmente entre amigos. São “livros” com tiragens quase sempre insignificantes. Acho que mais do que um caminho, colocar isso em formatos independentes, semelhantes aos da galera de 70, foi uma necessidade. Hoje, mesmo sabendo que, como autor independente e quase anônimo, fazer/escrever/publicar poesia é ir contra a lógica sem lógica do mercado - pois poesia não é o combustivel ideal pra ser queimado nas labaredas incontroláveis do imediatismo capitalista, onde o agora já passou faz tempo - mesmo ciente-inconsciente das limitações (im)postas e encontradas na caminhada epopéica da publicação poiesis uma cambalhota ou duas, gosto de pensar que as dificuldades é que estão à margem da poesia, que a poesia não é nada disso e é maior ainda porque acredito, e essa é a minha redenção, que o corpo passa e a poesia fica.

Sobre os seus poemas visuais: você os faz ou os encontra? Qual é a sua procura?

Uma vez um amigo me contou que o Warhol disse que o destino da arte era o lixo. Não sei se meu amigo falou a verdade, nem sei se o cara disse isso mesmo, mas o fato é que esse mesmo amigo achou um quadro do Wharol no lixo. Coincidências a parte, certamente já aconteceu de eu encontrar ou de ser encontrado por muitos poemas, mas na maioria das vezes eu busco. A maioria dos meus poemas visuais são releituras de outros poemas ou de alguma marca (re)conhecida. Gosto de ficar olhando uma marca/signo e pensar numa maneira de enxergar aquilo de forma diferente e talvez subverte-lo, transformando-o em poesia. Se podemos brincar com a disposição dos caracteres no espaço em branco do papel, possibilitando uma leitura visual de um amontoado de letras e palavras, penso que podemos fazer o mesmo com algumas marcas já sistematizadas no nosso dia a dia.

O humor dos seus poemas é uma forma de insubordinação? A quê?

Talvez não apenas insubordinação, mas também uma maneira de eu re-ver as leis, regras, rótulos, credos, (des)crenças, dificuldades e imposições em geral e me re-ver denovo e denovo, no meio disso tudo e dentro dessa nave à deriva (e sem piloto, putz) que é o meu mundinho.

Agora que você está morando em Belo Horizonte, como está sendo o seu contato com os poetas, as publicações e as movimentações culturais daqui?

É bacana conhecer de perto pessoas que admiro. Devido às correrias de mudança, adaptação e trabalho, eu ainda não tive o tempo que eu quero pra me interagir ainda mais com a cidade e, quem sabe, aumentar meu circulo social fazendo novas amizades.

diOli, você quer mandar um beijo pra alguém?

Quero. Já tá filmando? Pro meu pai Dino, minha mãe Carminha, meu irmão maninho, minha irmã Marcela, minha irmã Monique, os cinco cachorros e nenhum passarinho lá de casa, minha vó filinha meu vô maná pois todos estão em Guarapariii e eu estou com saudade demais. Um beijo na careca do Lopes e outro no Mingau e um big beijo glan coletivo pro pessoal do Coletivo Pulso lá de DV, pois moram todos no meu coração, e um último pra minha namorada Karol, que tá lá em casa me assistindo. Valeu.